Oi, tudo bem com você? Eu espero que sim!
Hoje finalmente chegamos ao décimo post da sessão EMPODERAR. Foram tantos assuntos já debatidos: de amor próprio a mulheres incríveis, de apropriação cultural a embraquecimento.
Confira todos os posts de EMPODERAR aqui no blog!!!
Conversaremos agora sobre a polêmica surgida a partir da paródia de Work, hit atual de Rihanna em parceria com o rapper Drake, feito por Kéfera Buckman e Gustavo Stockler, ambos youtubers brasileiros com milhares de inscritos em seus canais.
Nesse post não me deterei às questões de desigualdade de gênero reproduzidas na paródia. Para isso recomendo o texto incrível da Carla Silva (logo abaixo). E não, eu não vou falar apenas se teve black face no vídeo. Isso porque escrevo este texto fugindo da redução aos mesmos moldes que o debate sobre racismo por conta da tal paródia foi diminuído a uma richa de paixões, de gostar ou não da Kéfera, por gente que não entende que racismo não é só chamar de macaco.
Antes de continuar o post, recomendo assistir a coleção de snaps em que a Kéfera tentou se defender. Clique aqui.
Black face.
Uma das acusações de racismo na paródia de Work de Kéfera e Gustavo foi a de black face. Mas o que é isso? É uma prática que surgiu no século XIX nos chamados shows de menestréis, em que atores brancos pintavam-se de preto para escrachar a figura da pessoa negra. Porém black face é mais do que isso. É um estilo de entretenimento baseado em esteriótipos racistas que começou com os shows de menestréis e continuam até hoje no inconsciente coletivo.
Mas será essa a primeira vez que Kéfera está envolvida numa acusação de black face? Não! No carnaval de 2013, ela fez mais uma “paródia” ultrapassando todos os limites do respeito, fantasiando-se da versão brasileira do black face, a nega maluca. O vídeo hoje não se encontra mais no canal dela, mas ainda é possível assisti-lo ao clicar neste link.
Pelo depoimento dela neste último episódio dá para ver que em três anos ela finalmente decorou o significado de black face, só falta aprender a não reproduzir racismo de uma vez por todas.
Falemos então do Gustavo, afinal a Kéfera não estava sozinha nessa. Diferente dela, ele resolveu não se posicionar sobre o ocorrido, mas era o principal acusado da tal prática racista.
Mas nem foi black face! Ele é negro! Como dito antes, infelizmente o black face não se retém a figura do branco pintado de preto. Tivemos ainda o black voice, extensão do black face em programas de rádio, em que pessoas brancas reproduziam uma fala supostamente das pessoas negras com o intuito de ridicularizá-la.
Mais recentemente também, Hollywood decidiu pintar Zoe Saldana, uma atriz negra, para representar a cantora Nina Simone, cantora também negra, sucesso da década de 60 e importante ativista no Movimento dos Direitos Civis nos EUA. A diferença é que o racismo aí se manifestou com o colorismo, pois a indústria cinematográfica achou por bem escurecer com maquiagem a pele de uma atriz para interpretar um ícone da música que sofreu bastante por ter a pele retinta e se posicionar contra a segregação racial nos Estados Unidos.
Conheça quem foi Nina Simone neste post do blog: #distrair6 – 6 mulheres que mudaram o mundo da música.
Entenda o que é colorismo com o post parceiro do blog Escrevendo Sozinho.
Mas ele não é negro, é indígena! Em muitos de seus vídeos, Gustavo cita sua ascendência indígena. Ele pode até não ser obrigado a explicar como entende sua identidade racial por isso ser também questão pessoal, mas o que estou tentando explicar é que o racismo encontra sempre novas formas de se entranhar na nossa cultura.
Nessa polêmica toda, mais importante do que saber se teve black face ou não é entender que estamos num mesmo barco que afunda em preconceitos e ignorá-los não acaba com o nosso afogamento em desigualdades.
Para saber mais sobre Black Face:
- Mulher negra não é fantasia de carnaval – Djamila Ribeiro para Carta Capital
- History of Black Face – site Black-Face
- Zoe Saldana, Nina Simone and the painful history of black face – Lisa Respers France para CNN
Gostar de uma cantora negra não te faz menos racista!
Ela não é sua carta de defesa contra acusações de racismo. Nem suas amigas e amigos negros. Nem seus professores. Nem seus companheiros. Nem sua bisavó e seu tataravó. Muito menos os dois nomes de intelectuais negros que você gravou dentro de uma academia embraquecedora.
Conectando com a paródia, temos uma questão de apropriação cultural, aquela história de gostar da cultura negra, mas não dos negros. No caso existia uma linha tênue entre a suposta homenagem para a Rihanna e apropriação cultural, que foi quebrada e puxada para o segundo lado a partir do momento em que Kéfera respondeu de forma preconceituosa, escancarando mais uma vez o racismo dentro dela – porque não moça, querer dizer o que é sofrer racismo sendo uma pessoa branca é silenciador e opressor.
Clique aqui para ler os textos sobre Apropriação Cultural no blog!
Como diz a Karol Conká: o preconceito velado tem o mesmo efeito, mesmo estrago. Raciocínio afetado falar uma coisa e ficar do outro lado. A sociedade só não esquece que Rihanna é negra porque 1) ela é estrondosamente famosa ao redor do mundo e 2) ela transparece no trabalho o orgulho de sua identidade racial.
Recomendado: Work, work, work: Isso é Patois – por Bárbara Paes para o Ovelha Negra.
No entanto, sendo Riri poderosa do jeito que é, ainda falam “mas ela nem é tão negra assim”. Enquanto isso, nós, pessoas negras, ainda ocupamos espaços de subserviência por razões históricas. Ainda continuamos morrendo por conta delas. Deixe-me repetir: M-O-R-R-E-N-D-O.
O tal do vitimismo e o mimimi.
Na sua defesa por via do aplicativo Snapchat, Kéfera disse:
“…tiveram algumas pessoas, na sua maioria negras, que disseram se sentir ofendidas com a paródia…não entendi quem se sentiu ofendido…” (no segundo link que coloquei aqui, a fala começa no minuto 1:40 e vai até o 2:00).
Um outro desfavor também foi feito pelo youtuber Felipe Neto ao dar sua opinião sobre a polêmica com a paródia de Work. Ele, que achou ruim quando a Lupita Nyong’o foi eleita a mulher mais bonita do mundo pela Revista People. O mesmo que fez um vídeo com uma mulher negra para não se dizer racista, disse:
“…embora eu ache que não tem nada de errado se o Gusta tivesse se pintado de preto para fazer um personagem, visto que era importante para o clipe e não estaria interpretando um escravo, ele não fez isso. O chilique é completamente equivocado. E aí vem o que me irrita, que é o argumento que diz que se uma minoria disse que sofreu preconceito você não pode discordar dela”. Neste link, do minuto 1:26 até o 1:51.
Pessoas, não é porque se gravou o significado de black face ou se tem uma conhecida negra que você é menos racista! Não diga para um grupo oprimido o que é sofrer a opressão e esperar que fiquemos todos calados!
Racismo não é só xingamento! Racismo é sobre poder! Não é só uma vez na vida que sofremos! E ainda que fosse, ninguém merece ter sua humanidade duvidada uma vez sequer, mas não, é todo santo dia! É quando o fiscal da loja nos persegue. Quando pensam que sempre somos a empregada ou o porteiro. É quando fazem chiado pelas cotas raciais. Quando nos negam atendimento médico. É quando nos deixam morrer e os culpados não são julgados por serem brancos. Superar toda essa porcaria não é fácil! Nem todos nós conseguimos! Então repito, não venha dizer o que é ser oprimido quando você é o opressor, querendo ou não.
Não venha diminuir a luta!
Essa mania de não entender o todo, reduzir o debate a maniqueísmos é o que perpetua toda e qualquer forma de preconceito. Nesse contexto, ninguém se mostra disposto a reconhecer suas atitudes errôneas, ainda mais quando são chamadas de racistas, e por fim acabam se defendendo de uma forma mais preconceituosa ainda.
Embora as intenções possam ser as melhores possíveis, ações superam intenções. Por isso entender nossa posição na sociedade, reconhecer nossos privilégios é fundamental para sabermos o nosso lugar de escuta e nosso lugar de fala.
“Nossa, mas é irônico ficar falando desses youtubers, porque assim o Ibope aumenta e eles ganham mais dinheiro.” Podem continuar ganhando o dinheiro que for, mas carreiras erguidas em racismo não mais passarão. Vamos fazer muito mais barulho, porque como diz a maravilhosa da Inês Brasil: se me atacar, eu vou atacar.
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